Um super show merece uma super entrevista. Mas, calma lá! Não estamos falando do Almir Sater, que estará neste domingo, dia 24, no Maison Ginez para fazer um show memorável em nossa Itapê. Nós adoramos o Almir, mas o nosso entrevistado não mora no Pantanal, ele vem lá de Botucatu e possui um currículo de muito, muito respeito:
É Osni Ribeiro, músico e compositor de primeira linha, que atua na musica desde 1981, quando começou cantando modas de viola em parceria com José Lira. Posteriormente, Osni foi participante ativo de festivais de mpb, gravou 2 cds de maneira independente, Osni Ribeiro (94) e Bebericando (96) e tem canções gravadas em diversos cds de festivais, coletâneas e por outros intérpretes. Desde 1997 desenvolve um trabalho de pesquisa e composição baseado na música do interior de São Paulo com influência rítmica e temática da música caipira. Em 97 assinou as trilhas do documentário Encanto das Águas (Globo Repórter).
Além do ineditismo de seu repertório autoral, o trabalho de Osni Ribeiro preserva e mantém a tradição musical dos bons ares de Botucatu e carrega em letra, música e rítmica a essência da música paulista, fruto da miscigenação do som mágico das violas portuguesas com o bater dos pés e mãos de nosso índios, influenciada depois por outras etnias que por aqui se instalaram.
Em 2018 integrou a coletânea Viola Paulista lançada pelo SESC e apresentou o seu novo álbum: “Arredores”, que traz quinze faixas divididas em oito canções de autoria de Osni e parceiros, quatro temas instrumentais e três releituras de compositores “conterrâneos” que ajudaram a escrever a história de nossa música caipira – Raul Torres, Serrinha e Angelino de Oliveira.
Ufa! Com um histórico desses, a gente só pode esperar coisa boa no domingo. Antes disso, confira a entrevista exclusiva que o Hora Itapê fez com o Osni. (“O home é bão memo!”)
H.I. Osni, fale sobre o novo trabalho, a inspiração, a experiência e a sensação de estar nesse novo momento…
O.R. – Chamo esse disco de “caminho da roça”, um trabalho focado em regionalismos com alguns experimentos. Um album produzido sem pressa, que me permitiu redesenhar o conceito dos meus trabalhos anteriores e que traduz muito das minhas andanças. Tem canções relativamente novas, tem velhas canções que já tem história e vida própria, tem releituras de mestres que ajudaram a consolidar minha identidade musical. Fiquei bem feliz também com as pessoas que somaram o trabalho, o Antônio Porto, que dividiu a produção comigo, as participações especiais do Fabius, Jaime Alem, Toninho Ferragutti, Cláudio Lacerda, Marcelo Pretto, José Staneck, Júlio Santin e ainda a apresentação generosa do Ivan Vilela. Enfim, em Arredores – título do disco – eu canto a viola, a saudade das boiadas, as histórias dos homens comuns. Canto sonhos, sonhados juntos, desfeitos ou acalentados. Canto amor, amizade, paixão, esperança. Canto alegrias e tristezas. Canto a vida e sentimentos que nos rodeiam. E ainda, carrego cantares de outros eras, de autênticos mestres da música e da arte.
H.I. – O Sertanejo se modificou ao longo dos anos, absorvendo elementos de outras vertentes musicais. O lado que possuia mais ligação com a cultura caipira divide espaço hoje com características de outras culturas. Qual é a sua opinião sobre essa mistura?
O.R. – Sertanejo foi um nome pomposo, criado pela indústria fonográfica porquê achavam que o termo caipira, que dava nome a essa nossa música rural era jocoso, caricato. Isso foi uma espécie de preconceito que teve motivações diversas e infundadas. Mas o que é a música caipira? Ora, é a música dos caipiras, feita pelos caipiras, no princípio portugueses que se embrenharam pelo interior e misturaram a sua cultura, e também a sua etnia, com a cultura e a etnia dos índios. Eu diria que a música caipira original é essa, as modinhas portuguesas misturadas com as sonoridades das aldeias. Tudo que veio depois disso resulta da absorção de outros elementos, mesmo em 1929, quando Cornélio Pires levou essa música ao disco. Eu defendo que ainda existe música caipira hoje, que é a música que eu faço ou que qualquer compositor que nasceu e cresceu no interior faz, porquê nós somos os caipiras. Não temos mais boiadas nas estradas, não andamos a cavalo nem de carro de boi, não vivemos em ranchinhos mas ainda somos caipiras. Quanto a mistura, no meu ponto de vista tem muita coisa que veio pra somar, pra construir e consolidar um estilo musical, somar com a nossa identidade cultural e musical, mas também tem muita coisa que veio apenas em busca de maior apelo comercial, e essas influências não perduram, não se incorporam. Gosto de pensar na ótica da “modernização” da música caipira como uma espécie de atualização de conteúdos, estéticas poéticas, harmônicas e melódicas e não apenas pela simples inserção de instrumentos, arranjos, estilos musicais ou figurinos que sejam classificados como “modernos”. Ah, e deu pra perceber que não gosto muito de utilizar o termo sertanejo, né, prefiro assumir a nossa caipirice mesmo!
H.I. – Você é amigo do nosso querido Bob Vieira. Como se conheceram?
O.R. – Conheci o Bob em 1989, num festival em São Miguel Arcanjo. Era uma dupla, Bob e Kátia. A gente se conheceu rapidamente, mas a música dele ficou na minha memória, Viola Viva. Depois disso ficamos mais de 20 anos sem nenhum contato e fomos nos reencontrar quando ambos estávamos na gestão de cultura, ele aqui e eu em Botucatu, acho que era o único estado que tinha dois secretários violeiros, rsrs. Depois disso nos aproximamos, ele esteve em Botucatu algumas vezes com a Orquestra, outras como jurado de Festival. No ano passado estivemos juntos numa coletânea que o Selo SESC lançou, com violeiros de São Paulo. O Bob é um grande artista e um amigo querido.
H.I. – Uma questão, agora, para esse seu lado gestor: A cidade de Itapetininga teve, por algum tempo, uma orquestra de viola caipira (a Teddy Vieira), que percorreu diversos locais realizando apresentações e representando a cultura caipira, mas não está em atividade. Sabemos que outras cidades também passaram por situações parecidas ou estão com grandes dificuldades em seus projetos e até em outros segmentos, como as danças tradicionais e o artesanato. O que você tem visto em suas viagens comprova isso ou existe um ambiente propício para novas possibilidades na área das orquestras e no meio como um todo?
O.R. – Como já disse, tive a felicidade de contar com a Orquestra Teddy Vieira em programações em Botucatu e em outras cidades onde colaborei com a produção. As dificuldades financeiras estão visíveis em todas as cidades e em todos os setores, mas infelizmente acredito que na gestão pública em geral falta um entendimento da real importância e poder de transformação da cultura. Temos também que ter um olhar que consiga dividir os investimentos na área entre a produção contemporânea, que não pode ser deixada de lado, as tradições que não devem ser esquecidas e o planejamento de futuro. Andando por aí consigo ver panoramas diferentes e mesmo entrando num ano que nos parece politicamente bastante complicado para a área cultural tem muita gente em busca de novos modelos de sustentação das atividades culturais, mas ainda assim, isso não exime a função do poder público de fortalecer a área e assegurar a diversidade, garantir que a arte não se torne monopólio dos meios de mídia e do mercado, o que traria riscos para a manutenção da identidade cultural de cada região.
H.I. – Você esteve recentemente no programa Sr Brasil, da TV Cultura, e cantou com outra joia da música brasileira, Rolando Boldrin. Como é dividir o palco com uma figura tão importante?
O.R. – Foi emocionante sob diversos aspectos. Primeiro porque o Sr. Brasil é referência em música de qualidade e passar por lá é quase como um selo de qualidade. Depois pelo que representa o Rolando Boldrin, na arte, na cultura, na música brasileira. Sou muito fã dele, há muito tempo, como compositor, como artista e principalmente como um catalisador da música que emerge pelo Brasil afora.
H.I. – Qual é a importância de espaços como esse da TV Cultura para a nossa cultura do interior? E depois? Você já consegue enxergar novas figuras no meio que possam fazer frente nesse cenário, como faz o Rolando Boldrin e como fazia Inezita Barroso na TV?
O.R. – Espaços como o Sr. Brasil, o Viola Minha Viola e muitos outros são imprescindíveis para a cultura em geral. Mas é visível que o impacto da TV hoje é bem menor do que nas décadas passadas. A gente está caminhando por novas veredas impulsionadas pela velocidade da informação. As relações tem mudado muito e rapidamente e o desafio é encontrar essa sintonia. Sempre teremos figuras com carisma que podem ocupar esses espaços ou mesmo criar novos espaços que aparecem todo dia nas redes. Por exemplo, aqui em Itapetininga, o Bob mesmo, me parece ter carisma e conhecimento suficientes pra encabeçar um projeto assim, que enraize e divulgue a cultura do interior. E assim devem existir muitos outros em outras cidades. Uma câmera na mão, um sonho pra plantar e a internet pra semear e colher.
H.I. – Vivemos em uma época em que tudo pode virar “cult” e cair nas graças de um público mais abrangente da noite para o dia, como se tudo fosse novidade, sobretudo porque, ao que nos parece, os jovens conhecem bem pouco sobre essa vertente. Quais seriam as referências jovens que você enxerga com potencial para uma fase (ou um sonho) como essa na música caipira?
O.R. – Eu costumo dizer, que nesse meio alternativo da música, aquele em que a gente não circula na grande mídia, a gente passa de novidade pra cult, de revelação pra mestre, sem passar pelo estrelato, rsrs. De certa forma é bacana porque a gente não precisa passar por uma porção de inconvenientes do sucesso. Os públicos também acredito que estão bastante segmentados. Tem conhecedores e admiradores de todas as vertentes e estilos musicais. Penso que os shows mais intimistas, mais próximos às pessoas e com platéias menores podem ter um crescimento de demanda nos dias de hoje. Quanto a referência pros jovens que despertem interesse nessa música caipira, reforço que a música caipira tem que se redescobrir, como contemporânea, representativa e identitária de novas gerações, assim teremos imediatamente uma gama de artistas que descobriremos caipiras e referência. Será que ficou claro, rsrs?
H.I – Almir Sater é, ao lado de Renato Teixeira, do próprio Rolando Boldrin, Inezita e de tantos outros, um dos ícones da música do interior do Brasil. Qual é a sensação de poder abrir o show dele?
O.R. – Fiquei muito feliz com o convite do Ferreira pra abrir esse show, poder incorporar o meu trabalho nesse novo modelo que eles estão experimentando. Os trabalhos, meu e dele, tem muitas afinidades e acredito que o público que gosta do Almir vai gostar de conhecer viola do Ribeirinho, rsrs. No final são duas grandes oportunidades, tocar e cantar pra uma platéia numerosa, qualificada e identificada com a música de viola, a música regional e também pisar no mesmo palco de um ídolo, referência pra gerações de novos artistas.
H.I. – Você poderia compartilhar com a gente as suas referências na música, de forma geral e no segmento caipira?
O.R. – Tenho um gosto e o pensamento também, bastante ecléticos com relação a música e como já disse, levo essa idéia de segmento caipira, como a música feita pelos caipiras e sou um deles. Tenho alguns autores que aprecio demais, Chico Buarque, Renato Teixeira, Aldir Blanc, Raul Torres, Angelino de Oliveira, Catulo… nossa é muita gente que com atenção reconheço dentro do meu trabalho, como referência artística e musical.
Osni Ribeiro Trio e Almir Sater estarão neste domingo, dia 24, no Maison Ginez. A apresentação do Osni será às 18h30min e, a do Almir, às 20h. O local será aberto ao público a partir das 18h. Ingressos à venda na Loja Charmosa ou pelo site:
www.megabilheteria.com
Para obter maiores informações, ligue para 14 9 9833-6199
(As informações sobre o show estão no material de divulgação do evento, sendo de responsabilidade de seus produtores)